Palestra Proferida Pelo Professor Weber Figueiredo na II Semana de Produção Científica e Tecnológica da Faculdade de Engenharia da Uerj, em 21 de Outubro de 2004.

Criada em 08/09/2009 12:00 por mmc | Marcadores: art evento fen

DINHEIRO, RIQUEZAS E TECNOLOGIA

Para mim é uma honra participar da II Semana de Produção Científica e Tecnológica da Faculdade de Engenharia da UERJ onde vamos fazer reflexões sobre o dinheiro, riquezas e tecnologia.

Inicialmente vamos falar sobre uma coisa que todos gostam: dinheiro. O primeiro instinto do ser humano é o da sobrevivência. Em seguida, ou em paralelo, vivemos em busca de uma vida melhor e da felicidade. Embora alguns digam que dinheiro não traz felicidade, outros afirmam que o dinheiro ajuda a ser feliz. Sim, uma pessoa sem dinheiro, vendo sua família passar necessidades, sem ter o que comer, não pode ser feliz. No máximo, conformada, encontra fugas e compensações, às vezes na diversão, na bebida ou até na esperança de uma vida melhor em outra existência. 

Separando, em parte, os problemas de amor e saúde, a luta pela sobrevivência e por uma vida melhor está associada, queiram ou não, à busca por dinheiro. Progredir na vida e querer ganhar dinheiro são aspirações naturais do ser humano. Quando estudamos para termos uma profissão de artista, médico ou jornalista é porque queremos associar o conhecimento daquilo que gostamos com a possibilidade de ganharmos algum dinheiro. É claro que uma atividade profissional que só dá dinheiro e retira a felicidade é uma coisa muito pobre. Também é claro que há pessoas ricas e infelizes.

Por que o dinheiro pode despertar tanto interesse no ser humano? É porque com este papel podemos adquirir bens e serviços ou, em outras palavras, podemos adquirir as riquezas que precisamos para viver. Para nós, de uma forma geral, riquezas materiais são os recursos naturais transformados em um bem. Exemplos de riquezas: alimentos e remédios, roupas e sapatos, livros e obras de arte, telefones e microfones, tijolos e prédios, TVs e DVDs,  caminhões e aviões, computadores e satélites. Enfim, tudo que você está vendo à sua volta são riquezas.

É importante notar que todas as riquezas materiais que temos ou que consumimos têm origem nos recursos naturais do planeta Terra, os quais são finitos. Nada vem de Marte ou de Júpter. Um automóvel, e.g., é a mistura de bauxita (alumínio), minério de ferro (chapas), areia (vidros) e petróleo (borrachas e plásticos). Isso significa que a produção de riquezas sempre causa impactos ambientais. Se pegássemos uma varinha de condão e disséssemos para este computador “revertere ad locum tuum” ele voltaria a ser areia, petróleo e minério. “Do pó vieste ao pó voltarás”.

Para o homem produzir riquezas necessita de recursos naturais (matérias primas), somados à energia, trabalho e tecnologia, que é sinônimo de conhecimento. Tem também o capital que é fruto trabalho acumulado. Uma observação: tecnologia não é produto pronto e acabado. Um aparelho de ressonância magnética, por exemplo, tem alta tecnologia agregada, mas nós não conhecemos a tecnologia usada na sua fabricação. Conhecemos apenas a técnica de operação do equipamento. Tecnologia é conhecimento armazenado na cabeça de pessoas. Tecnologia, tal qual maturidade, não se transfere. Tecnologia se conquista através do estudo e da pesquisa. Os países ricos são aqueles que dominam as tecnologias de produção de riquezas. Os países pobres são aqueles dependentes de tecnologia externa. 

Nesta exposição, poderíamos falar de outras riquezas que dinheiro algum pode comprar: riquezas humanas e intelectuais, intangíveis e preciosas. Mas, até que se diga o contrário, consideraremos riquezas, não jóias ou supérfluos, mas aqueles bens necessários para que o homem viva com um mínimo de dignidade e conforto. É bom ficar bem claro que não estaremos defendendo o consumismo materialista como um estilo de vida, muito pelo contrário.

Agora, vou revelar uma coisa sobre a qual até hoje não consegui convencer o meu amigo Juarez, mecânico de automóveis. Hoje, espero ter mais sucesso. “Dinheiro não passa de um simples papel pintado sem qualquer valor!” Quando eu falava isso o Juarez ficava furioso, só faltava me xingar.

Na verdade, contrariando o que falamos anteriormente, o homem, mesmo sem perceber, não está em busca do dinheiro. O homem está sempre em busca de riquezas, uns mais, outros menos, com o objetivo de sobreviver, viver melhor ou até enriquecer. O dinheiro é apenas um simples intermediário para facilitar as trocas de riquezas. De fato, nós não comemos dinheiro; comemos comida. Nós não somos transportados por dinheiro; somos transportados por um veículo com energia. No frio, nosso agasalho não é de papel pintado, é de lã. Nossa casa não é de papel moeda, nossa casa é de tijolos e concreto. 

Para reforçar nossa assertiva vejamos dois exemplos. Primeiro, imaginem um país hipotético chamado Canabal, muito, muito pobre, que nada produz, exceto um mínimo de comida para sobrevivência de parte do seu povo. Lá, o presidente de Canabal manda imprimir belas notas de dinheiro, apelidando-as de Dinheiral = D$, e decreta um salário mínimo altíssimo de D$ 22.000,00 para todos os habitantes. Pergunto: o povo de Canabal ficou mais rico? O que eles podem comprar com o tal Dinheiral? Exatamente nada, porque naquele país não existe produção de riquezas; e todos continuam tão pobres quanto antes da emissão do papel pintado. Canabal é, pois, um campeão de pobreza e problemas sociais mesmo com todo o Dinheiral. 

Segundo exemplo, agora real. O dólar é uma moeda forte porque os Estados Unidos são o maior produtor de riquezas do mundo e conseguiu impor sua moeda como padrão para trocas internacionais de riquezas. Teoricamente, a quantidade de dólares existente no mundo, representaria a pujança da economia americana. Na prática, isso não é bem verdade. Os Estados Unidos é o único país do mundo que tem a primazia de poder trocar o seu papel pintado, emitido por excesso, por riquezas; o que o faz, naturalmente, mais rico ainda. Os americanos têm renda alta porque a quantidade de riquezas existente em território americano, produzidas internamente ou vindas de outros países, é tão grande que o sistema econômico é obrigado a pagar salários altos para o povo consumir estas riquezas. É por isso que um operário americano ganha mais do que um médico brasileiro. Agora, entendemos porque há filas de brasileiros querendo imigrar para os Estados Unidos. Todos em busca de um tasquinho da riqueza americana. 

Quando um presidente da república aqui no Brasil afirma que o País não agüenta dar mais que R$ 20,00 de aumento no salário mínimo, na realidade ele que dizer o seguinte: no atual quadro, não temos riquezas suficientes para fazer com que cada assalariado aumente mais de R$ 20,00 por mês no seu consumo. Se ele decretar um aumento sem o respectivo aumento na produção de riquezas, simplesmente vem a inflação, os preços das mercadorias sobem, e o padrão de consumo do assalariado continua o mesmo. Arrocho salarial existe para conter o consumo de riquezas. Em caso de dúvida, até o dicionário nos ajuda: as palavras produção e riqueza vêm antes de salário.

Riqueza vem de rico. Pobreza vem de pobre. País pobre é aquele que não consegue produzir riquezas para todos. Se conseguisse, não seria pobre, seria país rico. Elementar, não?  O Japão é pobre em recursos naturais, mas é um país rico. O Brasil é rico em recursos naturais, mas é um país pobre. A China educou o seu povo, vem desenvolvendo tecnologias avançadas e tem 1,3 bilhões de habitantes. Os americanos que se cuidem!

Muitos aqui neste auditório devem estar pensando: se papel pintado compra riquezas, por que é importante raciocinarmos com riquezas ao invés de dinheiro? Porque quando raciocinamos com riquezas, e não com dinheiro, iluminamos nossa cabeça de tal forma que passamos a entender facilmente as verdadeiras causas de conflitos mundiais, da recessão brasileira, do desemprego, dos baixos salários, do subdesenvolvimento e até da criminalidade. Quando entendemos as causas do problema fica muito mais fácil encontrar a sua solução.

Sob o ponto de vista econômico, faço um apelo para que vocês sempre que possível esqueçam a palavra dinheiro e pensem em riquezas. Naturalmente, no dia-a-dia, individualmente, vocês têm é que pensar no papel pintado mesmo. O raciocínio “produzir riquezas” em contraposição a “ganhar dinheiro” muda radicalmente a busca de soluções que levam ao desenvolvimento. Em lugar, “produzir riquezas” estimula a solidariedade porque o processo de “produção” é sempre um trabalho coletivo, enquanto “ganhar dinheiro” é sempre uma ação individualista. Em lugar, desestimula a cobiça pela riqueza do próximo, porque ao invés de roubar o sujeito pode pensar em produzir, além disso, quando todos têm acesso às riquezas básicas acabam-se os chamados problemas sociais e a criminalidade despenca. Fome e pobreza só podem ser eliminadas com o aumento da produção de alimentos e riquezas. 3º) “Produzir” com o domínio da tecnologia estimula o estudo, a criatividade e o trabalho, enquanto “ganhar dinheiro” estimula a esperteza e a especulação. Os parasitas e sangue-sugas têm menos chances de sobreviverem numa sociedade impregnada pelo pensamento produtivista. 4º) Quando a Nação tiver o pensamento voltado à produção de riquezas haverá chances de eliminarmos da vida pública brasileira uma penca de políticos despreparados que só pensam em ganhar dinheiro e poder, mas não sabem usá-lo para desenvolver o País. 5º) “Produzir” alimenta a auto-estima que falta à maioria dos brasileiros. Auto-estima é dar-se conta dos próprios valores, é ter confiança em si próprio. 6º) Só quem produz de forma autônoma pode inovar. Inovar é evoluir. Segundo o Professor Waldimir Pirró e Longo, a quem devo muito meu aprendizado, a cada 10 anos as tecnologias mudam quase completamente e se os profissionais não se atualizarem ficarão obsoletos rapidamente. 7º) O ensino, em particular o de engenharia, cresceria muito em qualidade porque a produção de riquezas com o domínio tecnológico exige a formação de bons profissionais comprometidos com o desenvolvimento. Isso teria reflexos em todo o sistema educacional a começar pelo ensino fundamental. 8º) Seria uma oportunidade para valorizarmos a cultura nacional porque produzindo as nossas riquezas também estaríamos produzindo a nossa cultura, desde os hábitos de consumo até as manifestações artísticas. 9º) Não importando ser alta ou baixa tecnologia, nós poderíamos produzir mais riquezas com tecnologias apropriadas à realidade brasileira. São tecnologias apropriadas à nossa cultura, ao nosso clima, à nossa economia e apropriadas ao melhor aproveitamento dos nossos recursos naturais. Tecnologias apropriadas são tecnologias inteligentes, sob medida, de melhor benefício/custo. 10º) Quando admitimos que só a “produção de riquezas” pode melhorar a vida dos brasileiros, imediatamente vem a pergunta: O que é necessário para produzirmos mais riquezas?

Neste ponto, vemos que dos quatro fatores de produção, recursos naturais, mão-de-obra, capital e tecnologia, falta-nos tecnologia, o mesmo que conhecimento. Não as tradicionais, claro, como a utilizada na fabricação de tijolos, por exemplo. Falta-nos as chamadas tecnologias avançadas, inovadoras, aquelas que geram mais e melhores empregos e fazem os países ficarem ricos. Por exemplo, falta-nos as tecnologias de produção de fármacos, semicondutores e mecânica de precisão.

Os países ricos dominam ciclos completos de conhecimento necessários à transformação de recursos naturais em riquezas. Os recursos naturais, em boa parte, são extraídos nos países subdesenvolvidos, pobres. As fábricas de riquezas não precisam ficar necessariamente nos territórios dos países ricos. Podem ficar em qualquer lugar do mundo, porque quem domina a tecnologia tem o poder das decisões econômicas e a primazia dos melhores lucros, não importando o local da fábrica.

Quanto mais elaborado for um produto, mais tecnologia agregada ele tem, seu preço é maior e mais empregos são gerados na sua fabricação. Por isso, os países ricos investem na pesquisa científica e tecnológica com retorno garantido. A revista Scientific American, no artigo 100 Anos de Mecânica Quântica, nos fornece um dado ilustrativo: 30% do PIB (Produto Interno Bruto) americano devem-se a invenções que têm origem na Mecânica Quântica as quais são, essencialmente, produtos com microeletrônica (chips de silício). Inclui-se aí desde computadores, celulares, vídeos, aparelhos de ressonância magnética até os controles eletrônicos de máquinas industriais e aviões.

Embora possa haver alguma imprecisão quando comparamos PIBs, podemos fazer umas contas bem simples que nos revelam números espetaculares. O PIB americano (2002) é de US$ 10,5 trilhões, 23 vezes maior que o PIB brasileiro de US$ 450 bilhões. 30% do PIB americano dão US$ 3,15 trilhões que é exatamente sete vezes o valor de todo o PIB brasileiro. Assim, só a microeletrônica nos Estados Unidos fatura, por ano, sete vezes mais que toda a economia brasileira. Se compararmos com o PIB de 2003, com o dólar mais valorizado, essa relação sobe para dez. Agora fica fácil entender porque a Califórnia do Arnold Schwarzenegger, berço do Vale do Silício, é o estado mais rico da América. 

No dia-a-dia no comércio mundial de mercadorias, em média, 1kg de soja custa US$ 0,25 (dez centavos de dólar), 1kg de automóvel custa US$ 10, isto é, 40 vezes mais, 1kg de aparelho eletrônico custa US$ 100, 1kg de avião custa US$ 1.000 (equivale a 4 mil quilos de soja) e 1kg de satélite custa US$ 50.000 (200 toneladas de soja). A produção de riquezas com maior conteúdo tecnológico agregado tem um custo maior porque a sua fabricação necessariamente gera mais e melhores empregos, enquanto que a extração de recursos naturais, fornecidos gratuitamente pela natureza, gera poucos e maus empregos. Esse exemplo é bom para ilustrar aquelas pessoas que pensam que só a agricultura e a exportação de recursos naturais farão o Brasil se desenvolver. 

Para erradicar a pobreza e desenvolver o Brasil de modo que o povo viva bem, é necessário produzirmos mais riquezas sob o nosso controle e distribui-las, é claro. Algumas se distribuirão naturalmente, como é o caso dos alimentos. Nenhuma pessoa, por mais rica que seja, consegue beber dez litros de leite ou comer trinta pães por dia. Aliás, rico faz dieta ou come pouco. Se o povo passa fome é porque realmente o Brasil não produziu alimentos para ele comer. Talvez tenha produzido para exportar, em troca da importação de produtos com valor tecnológico agregado ou para pagamento de juros da dívida externa.

Infelizmente, o Brasil é muito dependente da tecnologia externa. Quando fabricamos bens com alta tecnologia, fazemos apenas a parte final da produção e não ficamos com o controle das decisões econômicas. O Brasil produz cinco milhões de televisores por ano e nenhum brasileiro projeta televisor. O miolo da TV, do celular e de todos os aparelhos eletrônicos, é todo importado. Somos meros montadores de kits. Essa dependência em diversas áreas, desde os fármacos até a mecânica de precisão, acarretou para nós brasileiros um alto endividamento externo e a falta de soberania nas decisões políticas e econômicas. Hoje, cerca de 70% do PIB brasileiro é controlado por não residentes no Brasil, uma situação meio triste porque ninguém pode progredir entregando o seu talão de cheques e a chave de sua casa para o vizinho administrar, por melhor que ele seja.

Vejam como o nosso entendimento muda quando raciocinamos com “dinheiro” e depois com “riquezas”. Quando assistimos ao Jornal Nacional e vemos a apresentadora sorrindo dar a boa notícia de que o superavit da balança comercia brasileira foi de US$ 25 bilhões, ficamos todos alegres. Parece que o Brasil ganhou US$ 25 bilhões, um dinheirão. Agora, quando raciocinamos com riquezas, a coisa muda de figura. Superavit de US$ 25 bilhões significa que o Brasil exportou, por exemplo, US$ 75 bilhões de riquezas e importou US$ 50 bilhões de riquezas. Assim, saíram do Brasil US$ 25 bilhões de riquezas a mais do que entraram. Para quê? Para pagar juros e serviços da dívida externa! São riquezas que saíram do Brasil não em troca de outras riquezas, mas tão somente a troco de nada. É uma parte do nosso trabalho que se esvai gratuitamente. Ao contrário do dólar, nas transações internacionais ninguém aceita o nosso papel pintado (R$) como forma de pagamento. É de lei: pagar dívida externa, só com riquezas, nunca com Real (R$). Pena que a TV não mostra as duas faces da mesma moeda.

Algumas pessoas, incluindo colegas, costumam dizer: Professor Weber deixe de ser ingênuo. Por que devemos desenvolver tecnologias avançadas aqui no Brasil se os países ricos já fazem isto tão bem? Não temos condições de concorrer. O Brasil é pobre. É uma besteira querer reinventar a roda! 

Bem, por essa linha de raciocínio nós também poderíamos perguntar: Para que estudar, se lá nos países desenvolvidos eles já estudam? Por que educar o nosso povo, se eles já educaram o deles? Além disso, não se trata de reinventar roda alguma. Trata-se de produzir bens com tecnologia agregada, os quais geram mais e melhores empregos aqui no Brasil. 

Agora, tudo isso que falamos só estará correto dependendo muito de onde quisermos chegar. Se quisermos continuar a ser uma nação canhestra, embotada, atrasada, repleta de problemas sociais onde a miséria é a matéria prima mais abundante, o que vem sendo feito, principalmente na última década, está ótimo. Nota dez, nada a mudar. Esqueçam o que falei. Mas, se quisermos ser uma nação rica, próspera, desenvolvida, realmente moderna, com as pessoas empregadas e ganhando bem, temos que mudar radicalmente o atual modelo de desenvolvimento, a começar pela educação fundamental. Não existe nação desenvolvida com o seu povo subdesenvolvido. O Brasil tem que aumentar a sua produção de riquezas, materias e inteletuais, para atender as necessidades da maioria dos brasileiros. Temos que fazer trocas no comércio mundial de igual para igual, exportando produtos cuja fabricação gerou bons empregos aqui no Brasil, em todas as áreas.

Alguns ingênuos, outros espertos, dizem que a grande vantagem comparativa do Brasil no comércio internacional é dispor de muitos recursos naturais e mão-de-obra abundante e barata. Sobre a mão-de-obra barata equivale a dizer: “nossa grande vantagem é sermos inferiores”. Sobre a abundância de recursos naturais para exportação significa dizer que podemos exaurir o nosso meio ambiente à vontade. Ora, aceitar a tese maquiavélica de que modernização e desenvolvimento só podem ser alcançados através da dependência e subserviência é o mesmo que admitir a tese da incapacidade e da inferioridade do povo brasileiro. Muitos até a admitem como verdadeira, mas a história não registra nenhuma sociedade que tenha se desenvolvido subjugando-se a si própria. No mundo dito globalizado a independência total é meio complicada. A alternativa ao desenvolvimento com independência é o desenvolvimento com autonomia no qual temos que ser donos dos projetos de engenharia, donos da tecnologia para decidirmos o que é melhor para o País e, naturalmente, donos dos nossos negócios. Um exemplo que sempre citávamos era o da Embraer, líder nas exportações brasileiras. Tradicionalmente a Embraer sempre deteve o domínio do projeto de aviões, mas os fornecedores das partes e equipamentos estão espalhados pelo mundo. A origem da Embraer deveu-se basicamente ao ITA que iniciou no Brasil a formação de engenheiros aeronáuticos.

Sob a influência dos meios de comunicação somos induzidos a sempre culpar o doutor desperdício e a dona corrupção como únicos vilões das mazelas brasileiras. Permita-me dizer que isso é apenas a ponta do iceberg, onde 10% do volume é visível e 90% submerso. Quando super-simplificamos o problema desta forma, vinga-nos o impulso de abrir apenas frentes de batalhas policiais, o que, naturalmente, é imprescindível, mas esquecemos do essencial que é abrir as frentes de batalhas produtivas, as quais começam no estudo das ciências da natureza e da matemática. Fica a ilusão de que o problema é apenas de ordem policial, ou seja, colocar corrupto na cadeia aumenta a produção de riquezas no País. Lembram-se do clima de euforia à época da Constituinte (1988)? Através da TV, tínhamos a impressão de que a nova Constituição transformaria a vida dos brasileiros num mar de riquezas. É claro que precisamos de bons ordenamentos jurídicos, mas isso só não faz o País enriquecer. Infelizmente, apesar dos novos textos constitucionais, emendados e remendados, o Brasil ficou mais empobrecido. 

Bem, nesta oportunidade, não poderíamos deixar de falar de um outro desafio intrinsecamente ligado à produção de riquezas, o desafio ambiental. A produção e uso de riquezas sempre agride o meio ambiente porque tudo tem origem na mamãe Terra. Sobre isso, é bom ler o que afirma a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos: "Existem boas razões para nos preocuparmos com os impactos ambientais provocados por cinco bilhões de pessoas consumindo no mesmo nível dos países desenvolvidos da Europa e América do Norte. Devido as altas taxas de crescimento econômico em muitas partes do mundo, bem como a rápida propagação de meios eletrônicos, publicidade e bens de consumo, nós devemos questionar que espécie de consumo futuro podemos esperar em áreas que agora estão restritas à pobreza e ao isolamento. Se todos desejarem ter o estilo de vida de alto-consumo do Ocidente, o implacável crescimento no consumo, no uso de energia, na produção de resíduos e emissão de gases pode ser catastrófico."

Por que seria catastrófico? Vejamos: os Estados Unidos, com 300 milhões de habitantes, 5% da população mundial, consomem cerca de um terço dos recursos naturais do planeta Terra, que tem 6,3 bilhões de pessoas. Por isso eles são ricos. Partindo desses dados, concluímos algo surrealista após resolver uma simples equação do primeiro grau(*): caso quiséssemos que todo habitante do planeta Terra passasse a ter o mesmo padrão de vida do homem americano deveríamos multiplicar o atual consumo de recursos naturais por sete. Isto é, em média, sete vezes mais petróleo, sete vezes mais minérios, sete vezes mais energia, sete vezes mais comida, sete vezes mais água limpa e, evidente, sete vezes mais poluição, efeito estufa e outros impactos ambientais! 

A pergunta é: a natureza aguenta? Os ecologistas e estudiosos têm respondido com um sonoro não. Precisaríamos de pelo menos mais um outro planeta. Brincando, poderíamos dizer que a Terra “derreteria” devido ao efeito estufa. Então, devido às limitações físicas do planeta Terra nem todos os países podem ser ricos; por isso, é necessário manter o status quo entre as nações, abortar as tentativas de crescimento dos países pobres através de receituários recessivos, diminuir o padrão de consumo dos remediados e, quando muito, manter os miseráveis na linha mínima de sobrevivência. Essa é a mão meio-invisível vinda do Norte industrializado que nos impede de crescer, levando o povo a aceitar resignadamente a recessão e o desemprego como estilo de vida. Afinal, desempregado não come nem consome. Se você observar bem verá que quase todas as medidas econômicas, anos à fio, se resumem ao controle do consumo da população e à transferência assimétrica de riquezas.

O ideal seria produzir riquezas para todos sem agredir de forma irreversível o meio ambiente. Isto é o que se define por desenvolvimento sustentável. É um desafio para o engenheiro projetar riquezas que poupem o meio ambiente. Vejam como o armazenamento de dados via computador poupa corte de árvores para fazer papel. Já as telecomunicações e a internet poupam combustível para deslocamento de pessoas. 

O desenvolvimento de um país principia no conhecimento que cada cidadão tem armazenado na sua cabeça. A riqueza de um nação é proporcional ao que existe entre as orelhas dos seus habitantes e não ao que está debaixo dos seus pés. Educação, cultura, ciência e tecnologia são as bases seguras para o desenvolvimento. Quando a produção de riquezas é vigorosa, todos são beneficiados, mesmo aqueles que não estejam envolvidos diretamente com a fabricação delas.  Em outras palavras, produzir riquezas beneficia todas as profissões, do peão ao capitão, do motorista ao cientista, do vendedor ao construtor, do padeiro ao fazendeiro, do artista ao cientista, do professor ao agricultor. É óbvio, havendo riquezas para todos, basta que as pessoas trabalhem para comprá-las. Vide o que ocorre nos países do G7 (EUA, Canadá, Inglaterra, França, Alemanha, Japão e Itália).

Educar o povo de verdade, financiar vigorosamente a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, estancar a sangria que suga nossos recursos para o exterior e estimular a produção de riquezas sob o controle dos brasileiros são decisões políticas que caberiam a governos preocupados com as próximas gerações e não apenas com as próximas eleições. O cidadão individualmente não tem condições de mudar estruturas produtivas do País nem de financiar pesquisas porque estas atividades são intensivas em capital. Nem mesmo a maioria das empresas privadas nacionais que vivem o dia-a-dia lutando pela sobrevivência têm condições para isso. Já as empresas transnacionais não têm interesse comercial em desenvolver tecnologias aqui, porque tudo já foi desenvolvido lá fora. Além disso, tecnologia é um conhecimento sempre ocultado, porque dela depende a sobrevivência comercial de quem a detém.  

Muito bem, enquanto mudanças essenciais não emergem, acredito que cada um de nós pode desempenhar um papel relevante que inclui o melhor preparo intelectual possível e a indignação contra a pobreza e o subdesenvolvimento. Só pessoas bem preparadas terão energia intelectual armazenada para mudar o que aí está. Só a indignação da sociedade poderá mudar o medíocre quadro político brasileiro. Trinta anos de magistério me dão autoridade para afirmar que qualquer um de vocês é tão ou mais inteligente do que qualquer estudante americano, chinês ou alemão. O brasileiro não é inferior a ninguém, pelo contrário, dizem até que somos muito mais criativos do que os habitantes do chamado primeiro mundo. Infelizmente, o Brasil se dá ao luxo de queimar inteligências que poderiam, com o conhecimento apropriado, transformar o Brasil num país próspero e evoluído.

Finalizando, gostaria de lembrar que o processo de produção de riquezas não pode ser apenas material. Não seria ético dissociá-lo do processo de enriquecimento interior do ser humano, sob o risco de produzirmos até produtos melhores mas homens piores. Na idade de ouro da ciência e tecnologia devemos ter olhos vigilantes para que os frutos do progresso científico e tecnológico sirvam ao bem estar de todos e à evolução da espécie humana, nunca à exploração de povos e nunca à destruição do meio ambiente e da vida, a mais preciosa das riquezas.

Muito obrigado.  Weber Figueiredo

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(*) Demonstração matemática.
População do mundo: 6,3 bilhões = 6300 milhões
População dos EUA: 300 milhões
Seja R o atual consumo de recursos naturais do mundo (grandezas não homogêneas). 
Consumo de recursos naturais dos Estados Unidos: R/3.
Consumo per capita do homem americano: (R/3)/300milhões
Consumo per capita do homem do mundo: R/6300milhões
Seja M o número que devemos multiplicar o atual consumo per capita do homem do mundo para que este se iguale ao do homem americano. Basta resolver a equação:
(R/3)/300milhões = MR/6300milhões
Simplificando, obtemos M=7.
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Atualmente, 2009, Weber Figueiredo da Silva (D.Sc.) é vice-Diretor da Faculdade de Engenharia da UERJ

Fonte: II Semana de Produção Científica e Tecnológica da Faculdade de Engenharia da UERJ

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Em 09/09/09 23:44 Wanderson Duarte dos Santos disse:

Vou repassar esta informação para o maior número de pessoas possíveis!!!