Prof. Ricardo Miyashita - Foto: Paulo Jabur
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18/05/2009 - Como aplicar a ética na busca por inovação
Portal Globo Universidade
Coordenador do curso de graduação em Engenharia de Produção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o professor Ricardo Miyashita direcionou sua pesquisa acadêmica para os temas de Responsabilidade Social e, mais recentemente, de inovação dentro das empresas. Dos artigos científicos, ele levou esse conhecimento para a prática em sala de aula e fez da formação de atitudes éticas entre alunos, futuros engenheiros, um objetivo que persegue nas turmas de graduação e de um inédito e recém-lançado Curso de Extensão. Paulista, formado pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado em Administração e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele explicou ao Globo Universidade as particularidades da responsabilidade social aplicada às Ciências Exatas.
Globo Universidade – Como é feita a abordagem do tema Responsabilidade Social dentro de um curso de Engenharia?
Ricardo Miyashita – Tradicionalmente, o assunto de responsabilidade social não é tratado dentro de uma matéria, exclusivamente, mas já há uma tendência de se introduzir esse conteúdo dentro de uma perspectiva de disciplina específica. Aqui no curso de Engenharia de Produção da UERJ, por exemplo, a nova grade curricular, que está sendo proposta, prevê uma disciplina de Ética e Responsabilidade Social para os alunos da graduação. O que já acontece hoje é que alguns professores que têm uma preocupação com temas sociais acabam falando sobre o assunto em suas aulas de conteúdo mais técnico. Por exemplo, quando eu dava a disciplina de Ergonomia e Segurança do Trabalho, que aqui recebe o nome de Engenharia do Trabalho I, procurei formar bem os alunos em conceitos básicos como a dignidade do ser humano, a importância de se ter um processo produtivo que não seja nocivo à saúde do trabalhador, de modo que o assunto da responsabilidade social acabava saindo dentro das preocupações normais da formação de um engenheiro.
Existem assuntos que também puxam pela responsabilidade sócio-ambiental, como é o caso das matérias da área de Engenharia Ambiental. Também na disciplina de Introdução à Engenharia de Produção, existem algumas aulas que são dedicadas ao assunto e preparam o aluno desde o início do curso. Em sala, costumamos utilizar estudos de casos que envolvem desastres ocorridos por falta de ética e responsabilidade na atuação profissional.
GU – Você poderia citar um desses casos já estudados?
RM – Um exemplo que costumo utilizar bastante é muito famoso e ocorreu no início dos anos 1970, com uma das grandes indústrias automobilísticas dos Estados Unidos. Foi um fato público que, depois, virou filme (O julgamento final) e cujos dados estão disponíveis inclusive na Internet. Eles criaram um modelo chamado Ford Pinto, que foi produzido às pressas, como uma tentativa emergencial de enfrentar a concorrência japonesa. Para queimar etapas no lançamento, eles negligenciaram alguns testes de segurança. Estes testes só foram realizados depois que o veículo foi lançado e começaram a ocorrer explosões em casos de colisão. A empresa encontrou-se, então, em um dilema: ou parar a produção e fazer o recall dos veículos já vendidos ou continuar a produção e assumir os riscos legais advindos de possíveis processos. O fato é que ela optou pela segunda alternativa, o que foi desastroso, porque levou a mais de 170 mortes e toda esta história veio a público, causando um grande prejuízo de imagem à empresa. No Brasil, um caso muito claro de falta de responsabilidade social na Engenharia é o do Palace II. Houve negligência na construção, com uso de areia de praia, que resultou num prejuízo enorme de perda de vidas e de tudo o que os moradores daquele prédio tinham.
GU – Como é a receptividade dos alunos ao tema?
RM – Costumo dividir os alunos no que se refere ao assunto de responsabilidade social em três tipos – esta é uma observação muito pessoal, com base em minha experiência: a primeira categoria é a dos alunos que, por uma questão de educação familiar e/ou até de formação escolar de qualidade, já vêm com bons critérios a respeito de ética e responsabilidade social, de modo que há uma ressonância muito grande para aquilo que é falado em sala de aula, confirmando os alunos naqueles princípios que eles já consideram importantes. Uma segunda categoria é a de alunos que nunca receberam uma formação a respeito, mas demonstram certa preocupação em se formar bem no âmbito da ética. Para eles, as aulas ajudam porque aquilo que é dito torna-se uma referência para sua atuação profissional deles no futuro. Há um terceiro tipo com o qual eu também já me deparei em sala de aula que é o dos que já chegam com algumas ideias não muito bem formadas a respeito do assunto e que não vão mudar com umas poucas aulas do curso de graduação. É, principalmente, para os dois primeiros grupos que são concentrados os esforços. A UERJ, inclusive, acaba de aprovar um projeto de Curso de Extensão voltado para alunos de Engenharia sobre o tema da Ética e da Formação de Competências. Como esse curso começa agora em maio e dura dez semanas, vamos poder avaliar melhor a receptividade do tema.
GU – Qual a diferença de enfoque que a Engenharia dá ao tema, em comparação com cursos da área de Ciências Humanas e Sociais?
RM – A diferença está relacionada à área de atuação profissional do que no curso. No caso do engenheiro, este tema está mais ligado a aspectos técnicos da produção e das tecnologias. Para o engenheiro, a questão da responsabilidade social dá-se pela adequação dos projetos que ele executa e dos sistemas que ele gerencia, de modo a torná-los o menos nocivo possível às pessoas que vão se utilizar das tecnologias geradas, sejam elas clientes, trabalhadores que vão lidar diretamente com ferramentas e máquinas, ou comunidades em torno das instalações projetadas ou construídas pelo engenheiro, como é o caso, por exemplo, do engenheiro civil. Desse modo, a responsabilidade social na Engenharia está ligada ao bom exercício profissional por parte do engenheiro. Alguns dos casos mais notórios que são estudados tratam justamente de engenheiros que executaram mal as suas obras, projetaram mal, e, por essa negligência, causaram mortes, ferimentos e danos à vida das pessoas.
GU – Essa é uma abordagem diferente daquela que vê a Responsabilidade Social como uma questão de imagem?
RM – Sim. Hoje, é muito comum que se enfoque esse tema sob os aspectos de propaganda e comunicação, o que, em si, não é uma coisa ruim, mas algo que deveria ter mais respaldo nas ações das pessoas que gerenciam as empresas. A responsabilidade social das empresas, na verdade, materializa-se na forma de como a responsabilidade é assumida pelos indivíduos dentro da organização. É aí que ela se dá. Você pode chamar uma empresa de responsável socialmente se as pessoas dentro dela cuidam para que as consequências de suas decisões e processos de trabalho não prejudiquem fornecedores, colegas, clientes e todos os outros envolvidos. Embora esse enfoque no trabalho das pessoas dentro das organizações seja o mais importante, ele é o menos divulgado. Uma possível explicação para isso é que ele seja um pouco menos transparente para quem está de fora da empresa.
GU – Nesse sentido, como se podem mensurar os resultados de ações de responsabilidade social?
RM – Esse é um tópico muito estudado, por ser justamente de difícil medida, algo intangível, e portanto um desafio para os pesquisadores do assunto. Existem iniciativas interessantes feitas no Brasil e a principal delas, por ser a mais difundida, é a do Instituto Ethos. No mundo, existe a GRI (Global Reporting Initiative), um indicador que engloba não apenas a questão social, como a ambiental e a da responsabilidade econômica dos empreendimentos. De qualquer maneira, costuma-se focar em indicadores de investimentos de recursos na área social, especialmente no cruzamento do que se define como ações sociais e filantrópicas com a mensuração dos beneficiados por essas ações. Gostaria de citar também uma iniciativa recente, o Selo de Empresas Familiarmente Responsáveis que foi elaborado por um conjunto de pesquisadores europeus e está sendo aplicado em vários paises inclusive no Brasil, e que procura medir a responsabilidade social pelo grau de atenção que a empresa dá às necessidades de tempo, descanso e flexibilidade de horário que os funcionários casados precisam para cuidar bem de seus filhos e de relacionamento com seu marido ou esposa. Muitas empresas começam a ver que, se os funcionários têm uma relação melhor equilibrada com sua família, seu trabalho acaba sendo também mais motivado e de melhor qualidade.
GU – Professor, suas pesquisas mais recentes têm se voltado ao tema da inovação. Como é possível aplicar a inovação dentro da responsabilidade social e vice-versa; quer dizer, a responsabilidade social na procura por inovação?
RM – A inovação é o grande desafio hoje de qualquer empresa, pois é principalmente pela inovação que a empresa gera riqueza, mas ela precisa ser analisada também dentro de uma perspectiva ética. Como a inovação está ligada ao progresso, ao desenvolvimento humano, corre-se o risco comum de se considerar que tudo que é novo é necessariamente bom, quando isso não é verdade. Para citar um exemplo, a empresa Enron foi eleita, durante anos seguidos, por revistas e algumas instituições, uma das empresas mais inovadoras dos Estados Unidos de sua época. De fato, analisando seu histórico, ela desenvolveu uma série de novas formas de comercializar energia que são meritórias sob o ponto de vista único da inovação. Também inovou na engenharia financeira para levantar recursos no mercado e na forma de “contabilizar” os resultados. Muitas dessas práticas, porém, podem ser chamadas de “inovações para o mal”, pois serviram para mascarar as operações fraudulentas que todos conhecemos agora, o que é totalmente reprovável do ponto de vista ético. Assim, existem algumas formas de inovação que não deveriam ser feitas e cabe aos gestores de inovação considerar as questões éticas. Outras situações que relacionam desenvolvimento científico e ética encontram-se bastante em evidência nas áreas da Medicina e da Biologia. Historicamente, encontramos alguns avanços científicos que tiveram consequências desastrosas do ponto de vista ético e social. O nazismo, por exemplo, promoveu diversos experimentos que geraram avanços “científicos” ao mesmo tempo em que atentaram contra a dignidade do ser humano. O desenvolvimento da bomba atômica é outro exemplo eticamente questionável, embora o aproveitamento da energia atômica em si seja uma coisa boa. O que importa é sempre se manter dentro dos limites do que é eticamente aceitável tanto na experimentação científica quanto no desenvolvimento tecnológico.
Texto: Thyago Mathias
Fonte: Portal Globo Universidade - http://globouniversidade.globo.com