Entrevista: Projetos Para a Sociedade, com Luiz Carlos de Menezes Toledo

Criada em 26/10/2010 23:14 por maperna | Marcadores: DCCT entrev fen geral


 

ENTREVISTA: LUIZ CARLOS DE MENEZES TOLEDO
Projetista das atuais reformas da Rocinha fala sobre sua carreira profissional

Jéssica Barreiros

Responsável pelo recente projeto de urbanização da Rocinha, o professor Luiz Carlos de Menezes Toledo da Faculdade de Engenharia da Universidade do Estado Rio de Janeiro (Uerj) tem se consagrado como um dos grandes nomes da arquitetura brasileira. O reconhecimento vem de órgãos como o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/RJ), que em 2008 lhe concedeu o prêmio de Profissional do Ano, de Oscar Niemeyer, que projetou um arco de passagem e o doou para um de seus projetos, e da participação em projetos como o Rio Cidade e Baixada Viva. Em entrevista a Agência Uerj de Notícias Científicas, o professor falou sobre sua carreira e atuais projetos.

 

Agenc: Como surgiu o interesse em ser arquiteto?

Toledo: Meu pai era arquiteto e desde cedo eu gostava de desenhar. Sofri uma influência muito grande dele, porque era um arquiteto famoso e por isso entrei para a arquitetura.


Agenc: Você possui uma longa trajetória acadêmica relacionada à arquitetura hospitalar. Por que escolheu essa área?

Toledo: Foi por acaso. Quando fui chamado para fazer meu primeiro hospital, até então não tinha grande experiência na área. Tinha trabalhado mais com planejamento urbano, feito muitos prédios, planos diretores, esse era meu maior interesse. Até que um dia apareceu a oportunidade de trabalhar com um hospital. Na época eu era amigo de dois grandes arquitetos hospitalares e eles vieram trabalhar comigo. Passei a projetar muitos hospitais e acabei fazendo mestrado e doutorado nessa área. A arquitetura hospitalar tem muitos detalhes, é um trabalho difícil. Os hospitais são muito complexos, mas como eu mexia com cidade antes, que também é um ambiente muito complexo, com muito esforço pude aliar uma coisa com a outra. Tanto nos hospitais quanto nas cidades existe uma indústria, há prédios administrativos, hotéis, laboratórios. Pensando assim, eu entrei com uma visão um pouco diferenciada na área.


Agenc: Você publicou vários trabalhos sobre a humanização hospitalar. Em que consiste esse termo?

Toledo: O objetivo é tornar esse espaço mais adequado às pessoas que lá trabalham e que o usam. O hospital tem que ser mais humano, não só em relação aos pacientes, mas a todos. O espaço não deve trazer aquela visão de tristeza e angústia, que é própria do hospital, mas sim ser um lugar que as minimize e crie mais condições para os usuários se sentirem bem. Esses espaços até bem pouco tempo eram muito pouco humanizados, por isso eu sempre briguei por essa questão. Essa preocupação com a humanização é recente.


Agenc: Você ficou famoso por ter projetado o Plano Diretor da Rocinha. Como surgiu esse projeto?

Toledo: A Rocinha é um projeto diferente que começou há uns 17 anos atrás. Na época, eu tinha um escritório na Lapa e um dia chegou lá um grupo de pessoas diferentes. A minha secretária estranhou até o perfil delas, que era muito simples, e o escritório era mais voltado para a classe média. Esse grupo era formado por moradores da Rocinha: o presidente da associação de moradores, os diretores e alguns habitantes. Eles me perguntaram se eu não queria fazer alguns projetos na comunidade, porque na época o Governo do Estado estava fazendo obras de esgoto e saneamento lá. Eles diziam "a Rocinha está muito feia. Será que você não pode fazer projetos para algumas áreas de lá, porque a gente pode tentar colocar isso na verba do estado, no trabalho de saneamento?" Naquela época, eu não me interessava por favelas, só tinha trabalhado com elas quando estava recém formado. Eu respondi para eles: "olha, eu não sou a pessoa mais bem preparada. Por que vocês não procuram profissionais com experiência na área?" Então uma mulher respondeu: "quer dizer que o senhor está me recomendando um arquiteto de favela? Nós queremos um arquiteto do asfalto! Isso é preconceito. Nós estamos aqui porque visitamos o Méier, onde o senhor fez um projeto, gostamos". Aquilo foi como um tiro, fiquei muito sem graça e acabei aceitando.


Agenc: E como foi a experiência com a comunidade?

Toledo: Passei os quatro meses seguintes indo à Rocinha e fazendo uma porção de projetos. Os moradores me mostravam alguns lugares e eu projetava pequenas melhorias ali. Até que em um sábado, eu estava descendo a Rocinha e vi, de cima para baixo, pessoas nas centenas de lajes que existem lá. Em cima de uma tinha uma menina tomando sol, na outra havia uns caras tocando violão, um menino soltando pipa, uma mulher estendendo roupa... Então pensei: "como há poucas áreas planas na Rocinha para as atividades de lazer, os moradores têm que ficar em cima das lajes". Depois eu olhei para baixo, para a boca do túnel, e imaginei um lajão, sonhei com aquilo. Ele iria desde Túnel Zuzu Angel até a passarela antiga.




Agenc: Como o projeto foi tirado do papel?

Toledo: Eu era amigo do prefeito Luiz Paulo Conde, porque tinha dado 15 anos de aula com ele lá no Fundão, na arquitetura. Liguei para ele e disse que tinha uma coisa para mostrar. Quando viu, ele falou "vou assumir isso" e me contratou para desenvolver o estudo da placa. Passei mais de quatro meses dentro da Rocinha discutindo com os moradores o que colocar nela. Foi um projeto todo costurado com a comunidade e isso não era comum na época. As coisas geralmente eram feitas de qualquer jeito e sem consultar as pessoas, o que é muito típico dos técnicos.

Para fazer essas reuniões mexi com meio mundo da Rocinha: a tribo do skate, do boxe, do futebol, do judô... Ouvi a população toda. Então, para meu desespero, o Conde saiu e entrou o César Maia. No primeiro dia de governo saiu uma matéria no Globo, em que ele dizia que o projeto deveria ser suspenso porque achava que a Rocinha iria invadir São Conrado.


Agenc: Como você reagiu a isso?

Toledo: Eu passei 15 anos sem ter coragem de voltar à Rocinha, porque de alguma maneira eu passei a acreditar que a culpa pelo abandono do projeto era minha. Sentia que tinha envolvido a população, eles acreditaram em mim, e eu vi aquele desapontamento e achava que era culpa minha. Então, passados 15 anos, houve o concurso em 2006 para fazer o plano diretor de urbanização da Rocinha. Eu senti uma vontade enorme de entrar no plano, pela minha relação com eles – já tinha até uma equipe diferenciada. Trabalhei junto com muitos profissionais e duas pessoas da Rocinha. Montamos algo que é extremamente executável e tocava as coisas mais importantes. Acho que por conta dessa participação dos moradores ganhamos o concurso. Depois dessa vitória, o projeto ficou meio esquecido. Quando entrou o Sérgio Cabral, ele soube do projeto e o assumiu. Estamos acabando a primeira etapa, que envolveu a construção de uma UPPA lá dentro e também alagarmos uma rua que tinha 80 cm de largura e às vezes formava até um túnel, a rua 4.

 

 

Agenc: Além desses, quais outros benefícios o projeto trouxe?

Toledo: Agora estamos construindo os primeiros prédios e o centro de lazer, que é enorme. No centro de recreação tem tudo: piscina semi-olimpica e infantil, natação, ginástica para terceira idade, boxe, quadra coberta polivalente, quadra de futebol oficial, centro de judô de alto rendimento – inclusive tem esportista olímpico dando aula e treinando. É o caso do Flávio Canto. Também tem academia de ginástica para a terceira idade, cantina, centro médico, vestiário, estacionamento, tribunal de pequenas causas, lojinha de surf e conjunto para skate. Agora estou projetando a nova escola de samba, que não sei se vai sair. Como eles estão prometendo o PAC 2, deve ter mais coisa ainda na Rocinha.




Agenc: Você inclusive foi homenageado pela comunidade por ter promovido tantos benefícios.

Toledo: Várias vezes, principalmente quando ganhei o prêmio do arquiteto do ano. Mas é importante dizer que eu fui arquiteto do ano porque a Rocinha estava na minha frente e a Rocinha mexe com todo mundo. Mais o que mais me comoveu não foi o prêmio, mas sim a presença das principais figuras da Rocinha durante a homenagem. Eram as lideranças de verdade, as pessoas de lá que eu mais respeitava, não só o presidente da associação. E, depois, para minha surpresa e de todo mundo ali, entrou o Mc Galo cantando o Rap do Toledo.

Agenc: Você acha que projetos como esse podem ser implantados em outras comunidades?

Toledo: Isso já está acontecendo. O Alemão e Manguinhos estão passando por isso, pelo PAC.

 

Agenc: O que esse projeto significou pessoalmente e profissionalmente para o senhor?

Toledo: Eu adorei fazer. Adorei cada dia do projeto. Foi tão criativo trabalhar com outro tipo de cliente que eu não tinha contato. É bem diferente você fazer um projeto como técnico, em que você apenas chega lá, faz seu diagnóstico e executa o projeto. Ao contrário disso, eu fiz tudo com os moradores. Eles me fizeram mudar de idéia 100 vezes durante o trabalho. Foi uma coisa meio diferente, essa atuação direta da comunidade.

 

Agenc: Além do projeto da Rocinha, o senhor destacaria outras coisas que produziu?

Toledo: Os projetos mais conhecidos são o Centro de Convenções Sulamerica da Cidade Nova, o Baixada Viva, um condomínio de classe média que fiz na Barra e o Rio Cidade, que projetei melhorias para Méier, Irajá e Avenida Dom Helder Câmara. 

 

Agenc: Durante a sua carreira o senhor ganhou muitos prêmios importantes. Como foi ter esse retorno?

Toledo: Eu não ligo muito. Fico contente na hora, como qualquer um, mas depois passa. Fazer arquitetura é tão difícil quanto no começo. Não é mole, não, você fazer e colocar toda sua energia nisso.


Agenc: Há quanto tempo você leciona na Uerj?

Toledo: Entrei para a Uerj em 1977. Estou quase me aposentando.


Agenc: Para você, o que essa vivência universitária representa?

Toledo: Tenho aprendido muito com os alunos. Você tem que estudar para dar aula, porque lecionar não tem graça se você não estuda. Acho que nunca dei um curso igual aos meus alunos de um semestre para o outro, é sempre diferente. Acho que o ensino da Engenharia às vezes é extremamente focado e não te dá uma visão mais ampla das coisas. Por isso, quando tive que escolher em qual universidade lecionar, optei pela Uerj, acho que um professor com esse modo de ver as coisas faz mais falta na Engenharia do que na Arquitetura.


Agenc: Como é a perspectiva de se aposentar depois de tantos anos na Uerj?

Toledo: Não sei. A velhice é uma coisa esquisita. Hoje tenho limitações enormes por questões de saúde e isso cada vez mais me priva de uma série de possibilidades. Mas quando eu penso em mim mesmo, sempre me imagino naquele barquinho ali que está pendurado [aponta para um pequeno barco a remo exposto na entrada do escritório], no meio da Lagoa, remando. Eu continuo dando aula e projetando, a vida não para. E quando me questiono sobre o passado, eu não penso no que eu perdi, eu penso no que eu já ganhei. Convivo bem com isso. O bom é fazer as coisas. Falar sobre a minha aula da Uerj que eu parei de dar não tem tanta graça quanto falar sobre a aula que eu vou dar sexta-feira que vem, essa sim é a mais importante do mundo.

Fonte: DIRFEN

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Em 30/05/11 11:48 Luis Fernando dos Santos disse:

Bom dia !!! Prezado Professor, Venho por meio deste comentário parabenizá-lo pelo prazer ímpar por sua profissão.São obras que mostra, que foram pesquisadas pela ótica da comunidade que fará uso.Por tudo isso é que venho pedir-lhe que nos dê apoio, para solucionar algumas comunidades que ainda estão isoladas nas cidades de Areal e São José do Vale do Rio Preto / RJ, São comunidades produtoras e já estão perdendo todas as suas plantações. Além de estarem com seus veículos ilhados. Uma delas fica ao lado da casa onde o Compositor Tom Jobim escreveu a musica " SÃO AS ÁGUAS DE MARÇO ..." Sei que neste momento o senhor falará: Há outras pessoas para resolver !!! Professor !!! Não tem em pesquisas e informações recebidas por profissionais da área. Nos indicaram o senhor. Muito obrigado e, como em sua entrevista falar bem claro do prazer em projetar soluções. Sabemos que podemos contar com o senhor. No aguardo de vosso e-mail resposta. Atenciosamente Luis Fernando

Em 31/10/10 11:30 josue setta disse:

O Prof Toledo é uma figura impar. Fantastico como pessoa e como profissional. Acho q não deveria se aposentar. Tratemos de arrumar uma função q ele possa continuar nos ensinando...nós ganharemos!

Em 27/10/10 00:57 Weber Figueiredo disse:

Toledo é um exemplo de grandeza técnica e simplicidade humana.