Por Uma Educação Republicana Para o Ensino Básico no Brasil (Nelson Maculan)

Criada em 17/09/2008 15:18 por mmc | Marcadores: aluno fen func prof

Leia o original: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=58588

Não é possível que nossa educação básica pública ofereça aos alunos menos de quatro horas de permanência nas escolas

Nelson Maculan é professor titular e ex-reitor da UFRJ, ex-secretário nacional de Educação Superior e ex-secretário de Educação do RJ. Artigo escrito para o “Jornal da Ciência”:

Em muitos países, a educação pública faz parte de uma política de Estado – de uma política social, cultural e econômica – há mais de um século. Os recursos para a Educação, nesses países, são mantidos ou aumentados, independentemente dos partidos que estão no poder, não havendo necessidade de garantir um mínimo desses investimentos na Constituição, como é o nosso caso.

Podemos citar os seguintes países: Estados Unidos, Canadá, grande parte dos países europeus (França, Itália, Alemanha, Inglaterra, Espanha, Finlândia, Bélgica, Suíça etc), Japão, China, Coréia e Austrália. Na América Latina, a Argentina, desde o final do século XIX, já adotava um sistema de ensino básico, em tempo integral, com transporte garantido para os alunos.

Oferecer atividades didáticas e complementares nas escolas, em tempo integral, é o símbolo da educação republicana. Nesses países que acabamos de citar, a escola pública tem qualidade e vagas suficientes para todos os alunos, independentemente das classes sociais; as atividades diárias nas escolas vão, geralmente, das 8 às 17 horas. A educação pública pode ser organizada via município, estado ou província, e União. Nos EUA, toda a educação básica é obrigação municipal.

No Brasil, as escolas públicas em tempo integral são pouquíssimas e funcionam mais como laboratórios didáticos. Infelizmente, a experiência dos Cieps, mais conhecidos como "Brizolões", no Estado do RJ, foi minimizada pelo próprio Estado e pela maneira como tem sido feita a municipalização do ensino fundamental.

No Brasil, quando falamos de educação em tempo integral, pensamos que devemos construir essas escolas só para os alunos das classes mais desfavorecidas. Na realidade, aqueles pais e mães que podem arcar com as despesas de educação pagam uma escola particular funcionando de quatro a cinco horas diárias, além de enviar seus filhos a cursos particulares de línguas, de música, de dança e a atividades esportivas e culturais, cobrindo assim todos os espaços disponíveis do dia. Os alunos das classes mais favorecidas têm atividades didáticas e complementares em tempo integral.

Não somos, comparativamente, no mundo de hoje, um país pobre. O Brasil está entre as 15 maiores economias. Não é possível que nossa educação básica pública ofereça aos alunos menos de quatro horas de permanência diária nas escolas.

Os resultados da Prova Brasil, de outras avaliações do MEC, bem como de avaliações internacionais, só confirmam a baixa qualidade do nosso ensino público, no que se refere à educação básica. Entretanto, também há exceções à regra: contamos com excelentes – ainda que poucas – escolas, graças ao trabalho hercúleo dos profissionais de educação que atuam nesses estabelecimentos.

É sempre fácil culpar nossos profissionais de educação, quando se deseja justificar a baixa qualidade do nosso ensino; no entanto, de modo geral, os municípios e os estados dão muito poucas condições de trabalho para esses profissionais: baixos salários, pouco estímulo à formação continuada e pós-graduada.

As escolas públicas de ensino básico, com melhor qualidade, são as federais: Cefet (em quase todos os estados da federação), Colégio Pedro II (RJ), Instituto Politécnico da Fiocruz (RJ), colégios de aplicação das universidades federais, colégios militares e escolas navais. Devemos, também, destacar os colégios de aplicação de algumas universidades estaduais; destes, o mais conhecido é o da Uerj, por seus bons resultados na Prova Brasil.

Os professores e funcionários técnico-administrativos dessas escolas federais e do Colégio de Aplicação da Uerj possuem carreira compatível com a de seus colegas de universidades, boa formação e carreira estruturada (grande parte desses docentes trabalha em regime de 40 horas semanais ou em dedicação exclusiva) visando às atividades de ensino, pesquisa e extensão.

O presidente Lula, em suas últimas declarações, trouxe a possibilidade de destinar parcela dos novos recursos gerados pelo petróleo no Brasil ao ensino público. Visão política que só os grandes estadistas possuem. A Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), com centenas de milhares de estudantes, tem direito a uma boa parte dos recursos gerados pelo petróleo desse país.

O possível repasse de recursos gerados pelo petróleo no Brasil para seus estados e municípios só deve ser feito dentro de uma programação de médio e longo prazo visando a uma educação básica em tempo integral.

Programas de formação de profissionais de educação e salários decentes (em fevereiro de 2008, um docente do segundo segmento do ensino fundamental ou do ensino médio público do estado do RJ, em regime de 16 horas semanais, 12 em sala de aula, após dez anos de carreira, recebia um salário mensal bruto de R$ 846,27) serão os temas principais.

Integral

A proposta não é redescobrir a roda, mas utilizar a roda já existente há muito nos países comprometidos com a Educação, isto é, conceber escolas e colégios públicos para que os alunos tenham neles um referencial de ensino e de atividades complementares (laboratórios de línguas, esporte, dança, música, arte etc), todos os dias úteis, das 8 às 17 horas. Todas as atividades complementares contariam com a colaboração dos ministérios e das secretarias associados à Cultura e ao Esporte.

À noite (das 19 às 22 horas), nesses estabelecimentos de ensino, poderá haver cursos para jovens e adultos. Um ensino básico em tempo integral para todos os nossos alunos das redes públicas estaduais e municipais tem que ser estabelecido gradualmente, a partir de 2009.

Naturalmente, será necessário desenvolver uma estratégia de curto prazo, a fim de efetuar a transição do sistema atual para o projetado. Para que tudo isso possa ser realizado de maneira democrática e competente, a discussão com os sindicatos que representam os interesses dos profissionais de educação é fundamental.

Valorização

Os novos docentes (com formação universitária) recrutados por concurso público nas diferentes esferas administrativas da União (município e estado), uma vez contratados e com salários garantidos, deverão passar dois anos em institutos de formação de professores (municipais ou estaduais) para o ensino básico. Aí terão que ser aprovados antes de assumirem de maneira independente suas funções em sala de aula.

O novo docente será lotado num estabelecimento de ensino, não será mais um "professor itinerante". Vários países possuem esse sistema para recrutar seus docentes para o ensino público. Um grande esforço na formação continuada dos antigos docentes também será primordial: utilizar bem as bolsas da Capes, já criadas pelo MEC para a realização de cursos de pós-graduação desses professores do ensino básico.

O(a) diretor(a) do colégio ou da escola deverá ser um(a) docente, ter formação de gestor(a) comprovada para esse fim e ser escolhido(a) para cumprir um mandato pelos membros de um conselho escolar.

Conselho este formado por representantes de profissionais de ensino, alunos e pais(mães) de alunos pertencentes ao estabelecimento de ensino em questão. Caberá ao MEC a tarefa de repasse dos recursos gerados pelo petróleo, assim como a verificação dos índices associados à avaliação de todo o sistema público de educação básica. A Educação é o nosso bem público.

Nota da redação: Este artigo foi publicado na edição do Jornal da Ciência que circula a partir desta sexta-feira. Informações sobre como assinar a edição impressa pelo fone (21) 2295-6198 ou e-mail jciencia@alternex.com.br



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Em 08/06/16 18:41 Rolci Cipolatti disse:

Como sempre, muito bom artigo. Concordo plenamente com os pontos de vista