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Muito além dos números Formado em engenharia civil pela Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais, mestre e doutor na mesma área pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com pós-doutorado no Laboratório de Engenharia Civil de Portugal e na Universidade de Southampton, o Professor Humberto Soriano é autor de cinco livros – já foi indicado ao Prêmio Jabuti - e está com o sexto a caminho. Nesta entrevista, ele afirma sua vocação para a literatura, ressaltando a importância da objetividade e da simplicidade com que os livros acadêmicos destinados ao aluno de engenharia deveriam ser feitos. Além disso, Soriano revela a sua visão a respeito do papel atual da engenharia no Brasil, e de como ela é ensinada e exercida.
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O que há de tão especial na engenharia civil, em comparação com as demais engenharias e o que o fez escolhê-la? Soriano – Eu escolhi a engenharia da UFMG, em 1964 e, na época, não havia uma diversidade de opções. Sempre tive queda por ciências exatas. Gosto muito de matemática e essa opção foi natural. Fiz um teste vocacional que me encaminhou para a engenharia elétrica, mas acabei optando pela civil, porque era a que tinha mais visibilidade, pelas construções. Quando surgiu o interesse por escrever livros? Soriano – No final da década de 80, como eu já tinha publicado muitos trabalhos, achei que era hora de fazer uma reflexão e começar a escrever de uma forma mais consistente sobre a minha área de conhecimento. A consequência foi que cabei de publicar meu quinto livro e já tenho duas segundas edições e duas reimpressões. O meu primeiro livro, Método de Elementos Finitos em Análise de Estruturas - publicado em 2003, foi selecionado pela Editora da Universidade de São Paulo para concorrer ao premio Jabuti. Não ganhei, mas fiquei muito satisfeito pela seleção. Método de Elementos Finitos em Análise de Estruturas O que você aborda neles? Soriano – Eu sempre gostei de escrever textos técnicos e didáticos. O aluno costuma tirar muita xérox de notas de aula e de partes de livro. Essa tendência precisa ser modificada. O livro tem seu valor e a pessoa deve ter uma biblioteca particular, para consulta, ao menos de livros básicos. Na engenharia de estruturas, temos a parte de análise e a de dimensionamento. De forma simplista, pode-se dizer que a primeira cuida da determinação dos esforços internos que ocorrem em cada peça da estrutura e que a segunda cuida para que a peça resista a esses esforços. A minha área é a primeira e, assim, os meus livros tratam de como as estruturas se comportam, como é o caso de vibração, por exemplo. É muito difícil escrever um livro na área de engenharia? Soriano – São mais de 30 anos de conhecimento acumulado, então tenho muitas anotações que ajudam as idéias a fluírem melhor. Procuro usar uma linguagem direta, simples e tecnicamente precisa, com figuras, fotos e gráficos que facilitem o entendimento e motivem o leitor. Despendi sete anos para escrever o livro que foi publicado em 2003. Eu digito, editoro e faço todas as figuras. Dessa forma, garanto que tudo saia do jeito que mais me agrada. Esforço-me para ter um livro de apelo. Como o senhor concilia a vida acadêmica com a literária? Soriano – Tenho uma situação privilegiada na UERJ; praticamente só dou aula, não tenho atividades burocráticas e oriento apenas um aluno de mestrado. Trabalho nos sábados, domingos e férias, trabalho muito. Tenho prazer de fazer isso. Como os alunos vêem essa simbiose entre engenharia e literatura? Soriano – Geralmente, o aluno de engenharia tem receio do uso de matemática e dá pouco valor à leitura de livros técnicos. Eu procuro mostrar que as coisas podem ser diferentes. Procuro também apresentar a história do desenvolvimento da engenharia, o que está por trás da área de conhecimento. Quando começo um livro, procuro situá-lo historicamente. Para que eu pudesse escrever em poucas palavras sobre Newton, por exemplo, eu comprei vários livros sobre Newton, e li quase todos. Eu valorizo a leitura, estou sempre comprando livros, mas não é simples passar isso para os alunos. O senhor acha que esse é um problema dos currículos, que estariam voltados mais para a parte prática do trabalho e também do mercado? Soriano – Concordo em parte. A minha concepção é que o importante não é apenas pegar fórmulas, tabelas e/ou programas de computador, aplicar e tirar resultados imediatos. É fundamental compreender os conceitos, as hipóteses e os métodos que estão por trás de tudo isto; entender a questão, resolvê-la e interpretar os resultados. É preciso compreender e não decorar. Por isso, em minhas turmas da engenharia civil, aplico provas com consulta. Estática das Estruturas Análise de Estruturas - Formulação Matricial e Implementação Computacional |
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O que o senhor está escrevendo atualmente? Soriano – Estou preparando um livro sobre a dinâmica das estruturas. Nele, começo falando sobre a história da mecânica clássica a partir de Galileu. A gente não deve entrar uma área de conhecimento sem buscar quem fez as primeiras contribuições. Ao ver como determinada área de conhecimento surgiu para a humanidade, você fica estimulado a conhecer mais sobre essa área. E normalmente, a forma como o conhecimento surgiu é a mais compreensível para o ensino. Você pode escrever no geral e particularizar em diversos casos ou fazer a abordagem inversa. Eu sou favorável a abordar do simples para o geral. Como o senhor enxerga a ambiguidade, se é que ela existe, entre a área acadêmica e a experiência profissional fora da área acadêmica dos professores universitários? Soriano – Os professores têm buscado investir em sua formação, o que é salutar. Mas não basta ser doutor para bem desempenhar o trabalho de professor. São coisas diferentes. Os professores de engenharia podem ter experiência no exercício da profissão de engenheiro e/ou forte formação acadêmica. Em algumas disciplinas, basta ter a formação acadêmica. Mas em outras, é preciso ter exercido a engenharia para poder ensinar. Eu entendo que como está colocada a atual exigência de formação acadêmica, há uma supervalorização desta em detrimento da experiência profissional. Há um excesso na valorização da titulação e dos trabalhos publicados em revistas internacionais. Como disse, a experiência profissional é mais importante em algumas disciplinas e menos em outras. Quais projetos o senhor destacaria na sua trajetória? Soriano – Participei do reforço do Bumbódromo, onde acontece a festa do Boi Bumbá em Paratins, Amazonas. Fui o responsável pelo projeto dos reforços da estrutura, o que foi um trabalho bastante interessante pela oportunidade de fazer uma análise dinâmica em estrutura muito complexa e pela experiência cultural que tive. Nessa cidade, há duas escolas de Boi Bumbá que disputam anualmente uma premiação, o que envolve toda a população. Mas posso dizer que minha atividade mais forte foi pesquisa. Fui pesquisador nível 1 do CNPQ e orientei mais de 30 teses no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ (COPPE). Qual a sua análise dos engenheiros formados no Brasil atualmente? Soriano – Sou da época da régua de cálculo e em que o desenvolvimento teórico de análise e de ferramentas de cálculo era bastante limitado. O engenheiro no exercício da profissão praticamente dominava tudo o que era importante. Agora, o desenvolvimento é muito grande e quem está no escritório não costuma ter tempo para estudar, porque está sobrecarregado com a atividade do dia a dia; então ele só aplica as ferramentas disponíveis. Acho preocupante usar um programa de computador sem conhecer os fundamentos e sem ter boa capacitação de interpretação e análise crítica os resultados. Mas felizmente temos muitos bons engenheiros, no país. Então o senhor diria que esses engenheiros são capacitados? Soriano – Sem dúvida. São totalmente capacitados, aptos a fazer qualquer projeto e excelentes profissionais para o mercado. Qual seria o lugar da engenharia civil hoje no Brasil, já que a construção civil tem sido bastante estimulada? Soriano – A engenharia civil tem um papel importantíssimo tanto na economia quanto na parte social, porque ela demanda muita mão de obra. Se olharmos para saneamento, prédios, construções, barragens, hidrelétricas..., são empreendimentos que exigem muita mão de obra, em grande parte, pouco qualificada. Análise de Estruturas - Método das Forças e Método dos Deslocamentos O senhor acha que o Brasil ainda tem muito a crescer? Muitas realizações a fazer? Soriano – Sim, muitas realizações. Aqui, a nossa própria cidade é muita abandonada, em termos de construções e de infra-estrutura. Há muito a ser feito. Se o país já estivesse usufruindo a riqueza do petróleo e esse dinheiro fosse bem utilizado, certamente não teríamos milhões de casebres, só no tijolo... Qual o perfil de engenheiro que uma faculdade deve formar? O perfil deve atender apenas o Brasil? Primeiramente não podemos generalizar para qualquer área da engenharia, porque, veja só, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (Ita) é voltado para a aeronáutica, e nós aqui na UERJ não temos aeronáutica. Contudo, eu tenho a concepção de que o engenheiro deva ter uma formação generalista, mas que também a ele seja dada a oportunidade de optar por especializações. Um engenheiro que entenda a razão das coisas e não apenas de uso de tabelas, fórmulas, normas, procedimentos e métodos. Há a necessidade de se fazer cursos de especialização ou, se for o caso, mestrado e doutorado na área que o engenheiro identificar que tenha afinidade e demanda de mercado. Contudo, é necessário ter uma visão ampla e não apenas profunda. Grande parte das instituições do país forma com esse conceito generalista. Não estou dizendo que a Faculdade de Engenharia da Uerj devesse mudar agora, porque isto exigiria toda uma modificação de currículo, começando com um trabalho de base. Na atual conjuntura, tem-se que fazer bem feito a atual formação em ênfases. Como você acha que as faculdades estão estruturando seus alunos? Soriano – Eu não tenho condições de responder, por não conhecer a formação no geral. Como consultor do MEC-Sesu, participei do credenciamento de algumas faculdades de Engenharia, mas seria pretensão opinar quanto ao trabalho das faculdades em geral. E na Uerj? Soriano – Bem, nós estamos com um currículo antigo. Deve entrar em operação um novo currículo na atual direção. Com essa implementação, haverá uma evolução em termos de conteúdo programático, mas a grande vantagem está na parte filosófica do currículo. O anterior era muito rígido, porque obrigava o aluno a fazer determinadas disciplinas. No novo, há disciplinas obrigatórias e outras que o aluno pode escolher para completar o número de créditos requerido em cada curso. Assim, o aluno faz um curso mais adequado a si e ao mercado. Além disso, os departamentos ficam a possibilidade de acrescentar outras disciplinas a esse currículo, por ele ser flexível. É necessária uma contínua atualização e as instituições públicas são muito lentas nas adaptações e modificações de seis currículos, enquanto a ciência, a tecnologia e o mercado se modificam rapidamente. Que referencias você destaca de arquitetos, engenheiros e obras no Brasil? Soriano – Indiscutivelmente, o arquiteto de maior nome que nós temos é Oscar Niemeyer. Ele tem projetos de grande destaque internacional e de grande plástica, que exigiram alta tecnologia. Esses projetos são sempre voltados para obras públicas monumentais. Em termos de engenharia, eu colocaria os projetos de exploração de petróleo de grande profundidade, que são projetos que exigem uma tecnologia muito avançada e que se encontra plenamente dominada pela Petrobrás. Além desses há algum engenheiro específico? Soriano – Eu tenho um colega da UFRJ que admiro pelo seu grande conhecimento e realizações – o professor Ernani Diaz, que foi projetista da ponte Rio-Niterói. Ele é uma pessoa ímpar. Mais antigo que ele, já falecido, tem o Antônio Alves Noronha, que é uma referência nos anos 50 e 60. Que conselhos você daria ao estudante de engenharia hoje? Soriano – Que ele aproveite ao máximo o tempo de faculdade para aprender e adquirir uma boa bagagem de conhecimento. Que não procure apenas tirar a nota necessária para passar, mas sim que aproveite a oportunidade para investir nele mesmo.
Barbara Perrout e Pamella Lima, da Agência Uerj de Notícias Científicas (Agenc), especial para a Faculdade de Engenharia da Uerj.
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